Maurício Mogilka
Universidade Federal do Paraná, mauriciomogilka@ufpr.br
RESUMO
Este artigo tem por preocupação central definir e discutir o
conceito de educação democrática. Ele desenvolve a discussão baseando-se nos
conceitos e reflexões da pedagogia humanista, especialmente no pensamento
social de John Dewey. Nesse enfoque interacionista, entende-se a educação como
um processo circunscrito socialmente e simultaneamente capaz de modificar
estruturas, pela formação de novos tipos de subjetividade e pela articulação
com as demais lutas sociais. Nesta direção, o artigo procura mostrar de que
maneira a educação democrática aponta para experiências de formação nas quais
as crianças podem estruturar a sua subjetividade de forma autônoma, sem o uso
da coerção.
DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO — DEWEY, JOHN — PEDAGOGIA
HUMANISTA — PRÁTICA EDUCATIVA
ABSTRACT
This
article's main concern is to define and discuss the concept of democratic
education. This discussion is developed based on the concepts and reflections
of humanistic pedagogy, especially the social thinking of John Dewey. In this
interactive focus, education is understood as a socially circumscribed process,
simultaneously capable of modifying structures by forming new types of
subjectivity and by articulating with other social struggles. In this sense,
the article attempts to show how democratic education points to formative
experiences through which children can autonomously structure their
subjectivity, without the use of coercion.
DEMOCRATIZATION
OF EDUCATION — DEWEY, JOHN — EDUCATIONAL PRACTICE
Não creio que as escolas possam ser, literalmente,
construtoras da nova ordem social. No entanto, as escolas podem participar,
concretamente e não idealmente, da construção da nova ordem social à medida que
se forem aliando com este ou aquele movimento, no seio das forças sociais
existentes (...) O desejo de necessidade assume um papel preponderante na
determinação da nova ordem social, à medida que os educadores se alinham com os
velhos ideais individualistas ou com as novas forças que criam o controle
social do poder econômico.
John Dewey
A COMPLEXA RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA
É altamente desejável que a prática (no sentido de
atividades práticas com fins produtivos e imediatos, ou seja, a prática
instrumental) passe a merecer maior atenção em nossos currículos de
licenciaturas, na perspectiva da sua articulação com as teorias desenvolvidas.
Esta é hoje uma tendência forte no Brasil, perceptível nas recomendações
legais, como a nova Lei de Diretrizes e Bases — LDB (Lei n. 9.394/96), que em
seu art. 65, estabelece 300 horas de prática de ensino nas licenciaturas. Ela
também se faz presente nas recentes reformas curriculares na Europa Ocidental.
Algumas dessas experiências propõem que a prática deve ser entendida como o
eixo central do currículo de formação de professores.
Contudo, tenho a preocupação de que, no Brasil, esta
tendência poderá levar não à referida articulação, mas ao entendimento segundo
o qual promover o contato dos alunos das licenciaturas com as práticas sociais
que ocorrem nas escolas seja o suficiente para dar o caráter mais "prático"
à formação. Assim, o aumento de "horas práticas", entendido e
realizado desta maneira, poderá conduzir ao praticismo e ao empobrecimento
teórico da formação. Isto pode ocorrer porque as práticas pedagógicas (tanto no
sentido instrumental como no sentido de práticas sociais) não são
suficientemente refletidas e teorizadas.
Um dos elementos necessários, embora não suficiente, para se
superar esse entendimento na formação de professores, seria retomar o conceito
de prática e de sua articulação com a teoria1. Para isso, torna-se necessário
problematizar o conceito segundo o qual a prática seria o fundamento, critério
de verdade e finalidade da teoria, tão forte ainda na pedagogia política do
país. Tal conceito tem levado, possivelmente por uma leitura pouco relativizada
de Marx, à subordinação da teoria e da reflexão à prática, o que dificulta a
possibilidade desta prática converter-se em práxis. De certa forma, este
conceito "aprisiona" a teoria, bem como a reflexão, que são
atividades distintas. Compreender desse modo a relação entre teoria e prática é
derivar de uma concepção filosófica que afirma a primazia da prática sobre a
consciência e a reflexão, e também sobre a teoria, segundo o conhecido conceito
de determinação em última instância.
Esse conceito marxiano afirma que, apesar da mútua
influência entre a realidade concreta e a consciência do sujeito, em última
instância é esta realidade que determina a consciência, isto é, tem maior peso
na relação. Tal entendimento compromete parcialmente a potencialidade dialética
do marxismo, pois a dialética pressupõe exatamente a mútua influência entre o
mundo e a consciência, o interior e o exterior, em que cada dimensão tem uma
força variável de caso a caso, impossível de determinar a priori. A necessidade
de superar os impasses do problemático conceito de determinação em última
instância tem gerado brilhantes construções teóricas neomarxistas ao longo do
século XX, como a teoria crítica.
Devido a esses problemas, a articulação teoria-prática
precisaria ser realizada de outra forma, sem reduzir a teoria à prática, pois
isso limita o desenvolvimento teórico e, conseqüentemente, uma das
possibilidades de ampliação da prática. Para retomar esta relação entre teoria
e prática, torna-se necessária uma reflexão que consiga estabelecer
efetivamente uma dialética entre ambas. Assim se poderia entender que esses são
elementos diferentes, mas que um não está "contido" no outro, e nem
pode ser o seu limite, pois se assim fosse, não existiriam utopias. Um interessante
conceito de articulação teoria-prática é aquele expresso por Adorno, que em uma
leitura mais relativizada do pensamento marxiano, tenta mostrar como a teoria
não pode estar desligada da prática, mas também não pode estar submetida a ela:
Se teoria e prática não são nem imediatamente o mesmo, nem
absolutamente distintas, então sua relação é de descontinuidade. Não há uma
senda contínua que conduza da prática à teoria (...) a teoria pertence ao
contexto geral da sociedade e é, ao mesmo tempo, autônoma. Apesar disto, nem a
prática transcorre independentemente da teoria, nem esta é independente
daquela. Se a prática fosse o critério da teoria, (...) não poderia alcançar o
que pretende; se a prática se regesse simplesmente pelas indicações da teoria,
endurecer-se-ia doutrinariamente e, além disto, falsearia a teoria. O dogma da
unidade entre teoria e prática é, em oposição à doutrina a que se reporta,
adialético: ele capta simples identidade ali onde só a contradição tem chance
de ser frutífera. (Adorno, 1995, p.227)
A forçada submissão da teoria e da reflexão à prática
bloqueia tanto o potencial emancipatório da teoria, como a criatividade
revolucionária da prática:
A exigência de unidade entre teoria e prática tem degradado
a teoria a um papel servil, eliminando nesta aquilo que deveria trazer para a
unidade. A perspectiva prática que se exige de toda teoria se converteu em um
instrumento de censura. Quando o par teoria-prática perdeu a teoria, a prática
se tornou irracional e integrou a própria política que pretendia superar, ou
seja, ficou à mercê do poder. (Adorno, apud Giroux 1986, p.37-38)
No campo de teorização mais especificamente pedagógica, o
conceito de prática pode ser tomado, por exemplo, nos autores do chamado
paradigma da prática reflexiva, que apoiados nas reflexões da teoria crítica,
concebem uma prática que pode ser constantemente reconhecida, refletida e
modificada pelos agentes educacionais (Schöm, 1995; Pérez Gómez, 1995;
Zeichner, 1995).
Esses autores entendem que, desta forma, é possível superar
o enfoque racionalista e positivista de teoria e de prática, no qual a primeira
tem sempre a primazia, e define, cientificamente, as diretrizes e técnicas que
devem ser "aplicadas" à prática. Assim, o paradigma da prática
reflexiva entende a prática mais como um processo de investigação contínua que
um contexto de aplicação da teoria. Isso constitui um processo de investigação
na ação, que articula teoria, prática e reflexão e impede que a ênfase na
prática conduza à reprodução acrítica de esquemas e rotinas. Estes, que
caracterizam tão bem a escolarização tradicional, transformam as práticas em
procedimentos formais, burocráticos, cristalizados e pouco criativos.
Segundo essa visão, uma das principais causas dos problemas
no trato com as questões da prática na formação de professores deriva da
influência e dos pressupostos que o paradigma da racionalidade técnica ainda
exerce em muitas universidades no mundo. Com visível influência humanista nas
suas concepções de sujeito e de prática, mas principalmente respaldados nos
filósofos da teoria crítica, alguns autores, especialmente Habermas, mostram
como a racionalidade técnica nos orienta a ver a prática como um momento de
aplicação dos princípios, técnicas e normas derivados da ciência, sendo,
portanto, terminal e subsidiária em relação à teoria científica. O próprio fato
de o practicum (momentos estruturados da prática pedagógica: aula prática,
estágio, tirocínio) ser ministrado no fim dos cursos indicaria o caráter
secundário e aplicado da prática. Ao contrário, os autores propõem que os
cursos de formação de professores estejam centrados no practicum, que pode,
inclusive, estar no começo dos cursos.
Um dos grandes problemas das posições que defendem a prática
na formação de educadores é que freqüentemente essas perspectivas resvalam para
o desconhecimento da importância da teoria e da reflexão, o que não é o caso
dos autores citados. Evita-se o academicismo, e incorre-se no ativismo ou
praticismo, ou atitudes muito próximas, comprometendo a formação dos futuros
professores e a sua competência docente. A prática não se deve transformar em
uma fuga à teoria: não é este — substituir a teoria — o seu sentido em um curso
de formação de professores.
Se não for efetivamente realizada a articulação
teoria-prática-reflexão, a grande tendência é se reforçar o que ocorre em
algumas experiências no ensino superior: o empobrecimento teórico da formação,
em nome de "atividades práticas". Estas acabam substituindo as
atividades teóricas, ao invés de se articularem com elas, desobrigando
professores e alunos de enfrentarem as dificuldades de compreensão, de
aprendizagem e de desenvolvimento, que assim são adiadas para momentos
posteriores do curso ou simplesmente não são resolvidas. O problema é muito
sério, pois fornece alguns dos melhores argumentos às posições acadêmicas
racionalistas que combatem as propostas de formação centradas na prática.
Contudo, o exercício da prática na formação pedagógica, com
uma sólida preparação teórica na área de conhecimento que se vai ensinar, é
imprescindível para a formação docente. Para que isso ocorra de forma
integrada, e não mediante uma justaposição de formações paralelas (disciplinas pedagógicas
e disciplinas da área específica), a articulação teoria-prática-reflexão é
necessária, pois só as atividades práticas, em contextos sociais concretos,
permitem a atribuição de significados, processo fundamental para a aprendizagem
de conceitos e princípios teóricos.
A AUTONOMIA RELATIVA DA EDUCAÇÃO
A discussão inicial sobre a relação entre teoria e prática
permite-nos abordar com mais clareza um problema fundamental para construir uma
educação democrática: a relação entre a prática pedagógica e as estruturas
sociais. Não parece haver dúvida, nas análises de diferentes orientações
teóricas, que toda prática pedagógica está de alguma forma articulada à
sociedade em que ocorre. Mas quanto à forma como se dá a articulação não há
consenso teórico. Sem cair em posições ingênuas como acreditar que apenas
mudando a escola mudaremos a sociedade, não é possível, contudo, continuar
sustentando a posição inversa, pois a escola não é apenas o resultado das
estruturas sociais e acreditar nisso eqüivale negar a força da subjetividade,
arriscando cair em um determinismo que não parece confirmável pela realidade.
A escola e os sujeitos que nela convivem possuem sempre um
potencial para a mudança, e são, em parte, autodetermináveis, isto é, possuem
autonomia relativa. A escola é influenciada pelas dimensões econômica, política
e cultural da sociedade, mas também influencia essas dimensões. Além de receber
a influência dessas estruturas, a capacidade de autodeterminação da
coletividade escolar é afetada por quatro fatores: o nível de conhecimentos dos
integrantes da comunidade, o grau de consciência e organização coletiva, o
desejo de mudança e as condições materiais disponíveis. Não existe escola sem
pessoas: em parte, são elas que fazem a escola ser de uma forma ou de outra, ao
aceitar, resistir ou modificar as diretrizes e políticas definidas para a
instituição.
O que uma escola é sempre resulta dessa interação, nunca
apenas das políticas e condições materiais. A compreensão interacionista da
relação escola-sociedade, própria à pedagogia humanista, leva-nos a entender a
escola em constante devir, potencialmente capaz de influenciar as estruturas
sociais, e sendo por elas constituída. Essa compreensão teórica se aproxima da
adotada pelo marxismo culturalista, como na teoria da resistência, e me parece
ser a mais consistente forma de superar a tão discutida questão: a escola é
capaz de modificar a sociedade, ou ela depende da mudança social para se
converter em agência de transformação?
A visão interacionista da escola nos faz atentar para a
importância dos profissionais da educação no sucesso ou fracasso dos
estudantes, muito mais que supõem as pesquisas sociológicas de caráter
estrutural. As diversas pesquisas orientadas pelo interacionismo simbólico,
fortemente influenciado pela pedagogia humanista e pelo filosofia social de
John Dewey, mostraram, a partir da década de 30 nos EUA, e depois na Europa,
como os professores influem, às vezes de forma sutil, na formação de seus
alunos. As interações de professores e crianças — fortemente influenciadas
pelas representações e significados que os profissionais atribuem a seus alunos
e aos jovens em geral — exercem um efeito muito intenso nos resultados das
práticas. Esse fenômeno é agravado pelo fato que muitas vezes os profissionais
não têm uma consciência muito clara da influência.
Na verdade, há hoje uma tendência bastante forte na pesquisa
pedagógica, nos países desenvolvidos, para que seja admitida a importância do
profissional docente nos resultados dos processos escolares. Assim, tais
enfoques analisam os agentes educacionais como objetos das condições
socioeconômicas e políticas, mas também como sujeitos capazes de interação
criativa e de definição de situações:
Essa nova posição de pesquisa permite descobrir, por
exemplo, que os professores desempenham um papel mais importante do que,
habitualmente, lhes é reconhecido nos mecanismos de seleção e exclusão. (...) O
ator não só deixa de ser manipulado pela forças que o superam, mas é capaz de
fazer seus julgamentos e é preponderante o seu papel na estruturação do
contexto. (Coulon, 1995, p.92)
Essas abordagens ressaltam a importância que a ação dos
profissionais da escola, seu pensamento e sua formação têm nos resultados das
práticas pedagógicas. Tal importância é analisada em conjunto com as questões
estruturais, políticas e culturais, e não em oposição a elas. O enfoque tem
sido largamente utilizado nos programas de inovação do ensino básico nos
últimos anos, nos países desenvolvidos que têm buscado com mais empenho a
melhoria e a democratização de seus sistemas de ensino, como os EUA, Reino
Unido, Austrália e Europa Continental (Pérez Gómes, 1995; Zeichner, 1995;
Coulon, 1995).
Essa concepção interacionista da escola se apóia em uma
concepção de sujeito que busca superar uma visão determinista de ser humano,
sem cair em perspectivas idealistas. Segundo Coulon (1995), até recentemente os
sociólogos tinham supersocializado o comportamento dos atores sociais, deixando
sem explicação como se dá, efetivamente, a interiorização das normas, o que
conduz a uma visão segundo a qual o indivíduo age de forma automática e
impensada, reproduzindo de modo não-interpretativo as normas e regras sociais.
Assim, o ator social é visto como um "...idiota cultural que produz a
estabilidade da sociedade ao agir em conformidade com alternativas de ação
preestabelecidas e legítimas que lhe são fornecidas pela cultura"
(Garfinkel, apud Coulon, 1995, p.19).
Ao contrário, essas abordagens interacionistas defendem a
existência de um imenso campo de contingências entre a regra, instrução ou
norma social e sua aplicação pelo ator, pois a prática nunca é pura aplicação
ou imitação de modelos preestabelecidos. Por conseqüência, o ator interpreta sua
cultura e o seu mundo e dá significado às suas ações. Desse modo abre-se um
campo de análise que nos permite considerar o ator social como, no mínimo,
co-responsável pelas suas atitudes e ações cotidianas, incluindo as mudanças
que o seu contexto e situação possibilitam.
Da mesma forma, prossegue Coulon, o ator também interpreta
as suas interações com os outros atores, agindo sobre elas — e as interações
sociais são importantes para a definição de suas ações. Tais interpretações,
contudo, não são definitivas, mas sofrem reinterpretações posteriores, de tal
modo que as significações atribuídas às ações, e portanto, as próprias ações,
podem ser modificadas pelo sujeito. O autor destaca que as abordagens
sociológicas de caráter interacionista contribuem para realizar a síntese entre
os níveis micro e macrossocial:
O modelo de ator é diferente e a relação entre a sua
consciência e a interação é reflexiva: o ator é socializado pela interação, que
por sua vez é gerada pelo ator. Por conseguinte, a estrutura e a ordem social
não existem independentemente dos indivíduos que as constroem. Em compensação,
as instituições influenciam o seu comportamento microssocial. (Coulon, 1995,
p.35)
As sociologias de caráter interacionista, ao tentar superar
as oposições rígidas entre indivíduo e estrutura, sofreram influência da
filosofia social dos autores da Escola de Chicago, como John Dewey e George
Mead. Mas uma outra poderosa influência contribuiu para esta visão de sujeito e
de sociedade: a fenomenologia existencial européia. Essa concepção de sujeito
aparece de forma muito clara no pensamento político de autores como
Merleau-Ponty:
O social, como o próprio homem, tem dois pólos ou duas
faces: é significante, pode-se compreendê-lo de dentro, e, ao mesmo tempo, a
intenção pessoal encontra-se nele generalizada, amortecida, tende para o
processo (...) a regulação que circunscreve o indivíduo não o suprime. Não há
mais que escolher entre o individual e o coletivo. (...) Concebendo o social
como simbolismo, conseguimos encontrar o meio para respeitar a realidade do
indivíduo, a do social e a variedade das culturas sem torná-las impermeáveis
umas às outras. O maior interesse desta nova investigação consiste em
substituir as antinomias por relações de complementaridade. (Merleau-Ponty,
1980, p.275)
Não há aqui neste estudo nenhuma recusa em aceitar a força
que as estruturas sociais exercem sobre a escola, definindo, em parte, o seu
destino. Contudo, aqueles que negam o poder da educação, parece-me, caem em
grande contradição. Eles afirmam que a escolarização, nas sociedades
capitalistas, exerce um poderoso efeito de controle social e de reprodução das
estruturas existentes, favorecendo a formação de subjetividades conformadas e
adaptadas ao status quo. As práticas pedagógicas teriam, segundo esta
concepção, limites muito estritos como meio de transformação social.
Mas existe no argumento uma contradição bastante acentuada,
demonstrada por um simples exercício de lógica. Se a educação escolar não é
capaz de favorecer a mudança social pela formação de diferentes subjetividades,
por que então os grupos dominantes são tão cuidadosos na contenção da qualidade
da escola pública? Ao mesmo tempo que esta concepção aceita o papel conservador
da educação, rejeita as possibilidades democráticas mais radicais da escola,
mesmo se esta fosse estruturada em padrões divergentes.
Se o processo escolar tem força para padronizar e formatar
nos atuais modelos, por que não teria força para liberar, potencializar,
expandir, se fosse proposto em bases diferentes? A força dos processos
educativos só funciona no sentido negativo? Para onde irá este poder, aceito
pelos próprios autores, se a escola estruturar-se de outra maneira? Onde há uma
negatividade, deve haver uma positividade subjacente. Esta discussão não é uma
mera especulação teórica, pois as concepções restritivas sobre a educação, no
senso comum e na teoria, exercem forte influência sobre a ação dos agentes
educacionais.
Não somente a lógica mostra esta contradição. Há também
evidências práticas, demonstrando que as possibilidades democráticas da
educação não são resultado de um ingênuo otimismo pedagógico, tampouco produto
de fantasias humanistas. Vejamos três destas evidências. Elas aparecem quando
nos colocamos numa situação prática, que já ocorreu inúmeras vezes nas escolas.
Imaginemos uma escola com uma proposta avançada de formação, tentando trabalhar
com as crianças valores, atitudes e interesses alternativos, aqueles que são
predominantes em nossa sociedade, como colaboração, solidariedade e autonomia
política. Contudo, a família de certa criança defende valores e costumes
completamente diferentes destes, até mesmo antagônicos. Teria esta formação
escolar condição de competir com a influência familiar?
A primeira evidência da força da escola vem do fato que,
cada vez mais, as crianças estão entrando mais cedo nela. Isso tem ocorrido
mais intensamente no Brasil, para as camadas mais pobres da população, a partir
de 1996, quando a nova LDB regulamentou o preceito constitucional, de 1988, que
garante o direito de toda criança à educação infantil, na faixa de 0 a 6 anos.
Embora esse direito ainda esteja sendo conquistado na prática, com muita
pressão popular, o ingresso precoce na escola reforça o poder de influência da
escola em relação à família.
A segunda evidência prática vem do próprio incômodo que a
escolarização, muitas vezes, causa nas famílias de valores diferentes daqueles
professados pela escola. O incômodo por vezes é tão intenso que os pais tiram a
criança daquela escola, conforme tive oportunidade de acompanhar várias vezes
quando era professor do ensino básico. Se os valores da escola não possuíssem
força e não incomodassem, por que tirar a criança do ambiente escolar? Não
bastaria deixar que esta influência fosse anulada pela formação familiar?
A terceira evidência, algo que precisa ser mais explorado
pelas escolas democráticas, é percebida quando os pais são incluídos na
elaboração do projeto educativo da escola. Muitos desses pais sentem-se
valorizados e modificam suas idéias no contato com os educadores, abandonando
suas desconfianças em relação a práticas alternativas e aderindo a elas quando
percebem que, bem estruturadas, não constituem um experimentalismo
irresponsável com seus filhos. Esse processo de incluir os pais na elaboração
do projeto educativo da escola mostra que eles podem influenciar a escola, mas
a escola também pode influenciar os pais, aumentando o raio de sua ação
democrática e comunitária.
É importante ressaltar que uma das resistências a esta
inclusão dos pais e da comunidade na elaboração e no acompanhamento do projeto
da escola não vem do Estado "todo-poderoso", nem da onipresente
classe dominante, como acreditam alguns autores. Uma das mais fortes
resistências muitas vezes vem dos próprios profissionais da escola, que consideram
tal prática uma intromissão no seu trabalho. É uma resistência gerada por um
fator subjetivo, portanto.
A EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA
Apesar das críticas que recebe, a chamada pedagogia
tradicional ainda desperta em alguns uma esperança de redenção, decorrente da
suposta possibilidade de construção de uma educação democrática a partir das
práticas tradicionais. Estas teriam, segundo alguns autores, elementos
positivos e uma estrutura de "transmissão" do conhecimento que seria
válida. Contudo, parece-me uma grande contradição.
Se propomos explicitamente o resgate do saber escolar
instituído e (implicitamente) o resgate da própria prática dominante,
esquecemos que esta prática não é dominante por acaso, mas exatamente por ser
adequada a um projeto político em vigor, que é excludente. Assim, não há como
fundamentar uma educação democrática sem uma crítica radical ao modelo
predominante. Se buscamos esta fundamentação no próprio modelo existente,
caímos em uma contradição insuperável entre fins declarados e meios sugeridos.
Exatamente por essas contradições, não parece possível a
construção de uma educação democrática com base nos métodos fortemente
centrados no professor e no currículo predefinido. A chamada educação
tradicional (na verdade, práticas tradicionais), tão presente ainda em nossas
escolas, não é e jamais serádemocrática, pois os seus fundamentos filosóficos e
o seu método são antiparticipativos e excessivamente centralizadores —
portanto, antidemocráticos na essência. Como produzir uma sociedade
democrática, vivendo práticas não democráticas? Essa contradição mostra a
inviabilidade das práticas tradicionais e de seus princípios estruturantes se
converterem em experiências favoráveis à vida democrática.
Como contribuir na formação de sujeitos democráticos se o
processo não é democrático? Os alunos sentem a prática pedagógica no seu campo
emocional e no próprio corpo, e não apenas no campo cognitivo, porque estas
dimensões são indissociáveis. Se é correto que a democratização da relação
pedagógica não é condição suficiente para a democratização social, ela é,
contudo, condição essencial para a estruturação de uma subjetividade autônoma,
pois processos autoritários não conseguem servir de base para resultados
democráticos. Desta forma, parece que o problema é sim, embora apenas
parcialmente, de definir relações democráticas no interior da escola.
Incorremos freqüentemente em grande equívoco se pensamos que
a prática pedagógica não poderia ser democrática já no seu ponto de partida,
pois democracia significa (supõe-se) condições de igualdade entre os agentes, e
o professor e o aluno são desiguais. Contudo, democracia não significa que
todas as condições sejam iguais entre os agentes, pois isto levaria a uma
uniformização que não existe nem nas comunidades mais igualitárias. O que
caracteriza a democracia real é a garantia de condições básicas a todos
(alimentação, moradia, trabalho, cultura etc.), a inexistência de qualquer tipo
de exploração e o exercício de relações onde haja liberdade e também limites. A
autoridade, em contextos efetivamente democráticos, passa a ser definida pela
função, necessidade e experiência, e trabalha com limites freqüentemente
sujeitos à negociação e jamais arbitrários.
Essa relação democrática não impede a influência do mais
experiente sobre o imaturo, aliás a diferença entre professores e alunos é
imprescindível para que se dê o ato educativo, ela constitui este ato, pertence
à sua estrutura. O problema é a natureza desta diferença, e como se dará esta
intervenção: uma relação democrática, na concepção da pedagogia humanista, dosa
a influência de acordo com as necessidades de aprendizagem e desenvolvimento da
criança. Ela desafia, estimula e orienta, mas não constrange. Seu princípio de
atuação nunca é ideológico (no sentido de falsa consciência), isto é, esta
interferência tem suas motivações explícitas negociadas sempre que necessário.
Por isso, ela não esconde nunca em seu bojo outros interesses, como dominar ou
manipular aquele que se pretende educar.
Dentro da concepção democrática da relação, entendemos que
as crianças não são refratárias aos processos que estimulam o seu crescimento,
desde que percebam a conexão destes processos e o seu desenvolvimento. Se há
reações muito fortes por parte da criança à interferência do adulto e à prática
pedagógica, provavelmente o processo está permeado por elementos arbitrários e
impositivos. O professor, muitas vezes, não percebe o caráter coercitivo desses
elementos e como eles constrangem a estruturação da autonomia da criança, ferindo
o próprio conceito de emancipação. Ao menos parcialmente, as crianças têm
consciência de suas necessidades de crescimento e das demandas do mundo adulto.
Mas elas precisam de um ambiente propício para conseguir articular tais
necessidades com o que há de válido no currículo escolar.
Assim, questionar a centralidade do papel do professor nos
paradigmas convencionais não significa, de modo algum, tornar secundária a
importância desse profissional. Ao contrário, o que ocorre é que se modifica o
tipo de interação que ele produz junto com as crianças, pois o seu papel é
ressignificado. O desenvolvimento da consciência crítica depende da
participação em experiências e relações em que haja autonomia na prática, e não
apenas no tratamento do conteúdo e na teoria. Caso contrário, o grande risco é
permanecer na abstração.
Essas reflexões se apóiam no conceito democrático de vida
social. Se acreditamos que esta é a forma mais válida de viver em comunidade,
torna-se urgente definir com clareza o que se entende por democracia. Tal
conceito, neste texto, refere-se a uma proposta radical de democracia,
diferente do modelo liberal vigente. Pode surgir a partir dele, pela
participação ampliada dos sujeitos e coletividades nos processos de decisão e
nas riquezas produzidas, mas não se reduz a esse modelo.
No século XX, um dos autores que trabalhou um conceito
radical de democracia foi John Dewey. Suas reflexões servem de base, ainda
hoje, para teorias do pensamento social avançado, como a teoria da resistência.
Para Dewey2, democracia não é apenas uma forma de governo, mas uma forma de
vida, aquela que permite as mais plenas e realizadoras experiências para todas
as pessoas (Dewey, 1970, 1979, 1979a).
Tal forma de vida social não pode existir sem ampla
participação popular e sem o debate livre e aberto de opiniões. Sua base
subjetiva é o ambiente de cooperação e solidariedade entre as pessoas. Para sua
realização é imprescindível, no plano material, uma mudança radical na
economia, que deve ser controlada pela sociedade, a qual precisa impor-lhe os
limites necessários para que ela exista em razão da realização coletiva, e não
o contrário. Dewey não fundamenta o conceito de democracia em princípios
abstratos, mas na qualidade da experiência vivida. Isso afasta suas reflexões
dos conceitos do liberalismo conservador, pois liberdade e igualdade precisam
ser vividas na experiência em uma sociedade efetivamente democrática:
Seria possível achar-se qualquer razão (para fundamentar a
democracia) que não fosse reduzir-se à crença de que o arranjo social
democrático promove melhor qualidade da experiência humana — experiências mais
largamente acessíveis e mais capazes de satisfazer amplos anseios humanos do
que as formas não-democráticas e antidemocráticas de vida social? O princípio
de respeito à liberdade individual e à decência e amabilidade nas relações
humanas não resulta afinal da convicção de que tais coisas decorrem da qualidade
mais alta da experiência e por parte do número maior de pessoas, qualidade que
falta aos métodos de repressão, coerção ou força? A razão de nossa preferência
não é a de acreditarmos que a consulta mútua e as convicções alcançadas pela
persuasão tornam possível, em larga escala, melhor qualidade da experiência do
que a que se pode obter por qualquer outro método? (Dewey, 1979 a, p.25)
Ao definir a democracia em uma perspectiva experiencial e
pragmática, Dewey supera o conceito exclusivamente formal e abstrato de
democracia. Essa maneira formal de definir democracia, como está hoje tomada de
modo acentuadamente ideológico no discurso neoliberal, acaba por produzir
resultados não democráticos. Isso ocorre porque ela reforça a crença segundo a
qual sociedade democrática é aquela em que existem leis que prescrevem os
direitos básicos, embora as condições sociais não garantam a experiência do
usufruto de tais direitos por todas as pessoas. Dewey rejeita qualquer
definição metafísica de democracia, bem como de liberdade:
A liberdade não é apenas uma idéia ou um princípio abstrato.
É poder, poder efetivo de fazer certas coisas. Não existe a liberdade em geral,
isto é, em sentido amplo. Por isto, a liberdade é uma questão social, e não
somente um direito do indivíduo particular, pois ela é relativa à distribuição
dos poderes de ação em um dado momento. Quando há liberdade em um lugar, há
restrição em outros: aquilo que uma pessoa pode fazer está em relação com o que
as outras podem ou não fazer. A luta pela liberdade é importante devido às suas
conseqüências na produção de relações eqüitativas, justas e humanas entre
homens, mulheres e crianças. (Dewey, 1952, p.72, 101)
Profundamente influenciados pela pedagogia humanista e pelo
pensamento democrático de John Dewey, alguns autores norte-americanos da teoria
da resistência, como Henry Giroux e Michael Apple, têm buscado, nos últimos
anos, fundamentar teoricamente o conceito de escolas democráticas. Por tal
conceito, que tem orientado experiências práticas nos EUA, entende-se aquelas
escolas que têm por preocupação central ampliar, por meio da educação, as
condições favoráveis ao modo de vida democrático. Segundo Dewey, para se
assegurar e manter a vida democrática, é preciso que as pessoas tenham a
oportunidade de descobrir o que ela significa, e como pode ser vivenciada na
prática (Dewey, 1979).
As condições favoráveis a este modo de vida, que podem ser
trabalhadas pelas escolas democráticas, segundo Apple e Beane (1997), são o
livre fluxo de idéias, que permite às pessoas estarem tão bem informadas quanto
possível; fé na capacidade individual e coletiva das pessoas criarem condições
de resolver problemas; o uso da reflexão crítica para avaliar problemas, idéias
e políticas; preocupação com o bem-estar dos outros, com o bem comum e com a
dignidade e os direitos dos indivíduos e minorias; compreensão de que a
democracia não é um "ideal" a ser buscado, mas um conjunto de valores
que devemos viver na prática e que deve regular a nossa vida coletiva; e a organização
de instituições sociais para promover o modo de vida democrático.
Como se vê, esta definição de educação democrática tem, ao
lado das preocupações políticas mais amplas, também uma preocupação existencial
e prática. Ou seja, este tipo de educação precisa ser vivido nas próprias
relações pedagógicas, e não apenas no caráter social dos conteúdos trabalhados
pela escola. Por isso, a relação com os educadores e demais profissionais da
escola tem neste caso uma fundamental importância na formação democrática da criança
e do jovem. Contradições entre o discurso, a prática e as atitudes dos
profissionais provocam um efeito devastador na estruturação da autonomia das
crianças.
Dessa forma, a competência dos educadores para trabalhar os
modelos democráticos de educação é um dos mais graves e delicados problemas na
área. E isso nos conduz à questão da formação profissional, à formação docente,
que é um dos pontos mais críticos para a estruturação de uma educação
democrática. Ela precisa apoiar-se em critérios relativos ao desenvolvimento de
competências favoráveis ao trabalho democrático.
Juntamente com outros profissionais, defendo que a formação
se baseie em competências e não apenas em saberes. A escolha se deve a quatro
motivos. O primeiro é que competências é um conceito mais amplo que saberes.
Competência é a faculdade de mobilizar saberes, habilidades, técnicas e
experiências prévias para solucionar, com sucesso e eficácia, situações
problemáticas, geralmente em contextos sociais práticos e definidos.
O ressurgimento do conceito de competências e sua
importância na formação escolar deve muito, atualmente, ao trabalho intelectual
de autores como o sociólogo suíço Philippe Perrenoud. Contudo, a luta para que
a educação não se baseie somente na difusão de conteúdos e consiga desenvolver
mais integralmente o sujeito é uma muito antiga, e tem na Escola Nova a sua
mais potente tendência. Já em 1916, em Democracia e educação, Dewey defendia
que é grande avanço pensar e praticar educação objetivando o desenvolvimento de
habilidades e competências, superando o enfoque centrado nos conteúdos. Neste
caso, os saberes científicos passam a ser os meios de desenvolver competências
e não um fim em si mesmo.
A segunda vantagem de trabalhar a formação centrando-se em
competências é que elas têm, pela sua definição, um caráter prático e social.
Sem desprezar o conhecimento científico, esse tipo de formação procura ajudar o
sujeito que aprende a utilizar os saberes em situações operativas e
existenciais. Isso se dá sempre em contextos sociais, pois nós dificilmente
vivemos situações completamente individuais, característica que permite
superar, se for bem trabalhada, o ensino academicista e livresco, que tanto
afasta os alunos (especialmente das classes populares) do saber elaborado.
A terceira vantagem é que as competências permitem à
educação trabalhar com situações e desafios complexos, mais próximos de
situações reais, que serão enfrentadas pelo educando. As situações sociais
reais têm um alto grau de complexidade e instabilidade, que a formação baseada
em conteúdos e saberes não consegue reproduzir, nem parcialmente.
A quarta vantagem em tomar as competências como base da
formação é que elas, se trabalhadas criticamente, permitem ao educando
desenvolver a reflexão crítica continuamente. Elas permitem, por um lado, o
exercício das capacidades intelectuais com vistas ao agir produtivo, isto é, a
competência para atuar de forma consistente no mundo do trabalho, o que eu
considero necessário por razões práticas.
Mas se trabalhadas de forma crítica e reflexiva, as
capacidades intelectuais do educando permitem também a sua inserção social
crítica, a consciência dos problemas que se levantam contra a sua cidadania, a
constante atitude de questionamento e reflexão sobre os fins daquilo que está
fazendo. Assim, capacidade de produzir e capacidade de perceber amplamente são
desenvolvidas em paralelo, impedindo que as habilidades intelectuais se reduzam
à mera capacidade do pensar instrumental, que transforma o trabalhador em uma
mão-de-obra produtiva e dócil, com o mínimo de subjetividade ativa.
Alguns argumentam que o trabalho com competências permitiria
que a formação dos jovens se reduzisse apenas ao pensar instrumental, não
crítico; o que é verdade, isso pode ocorrer com qualquer tipo de formação,
inclusive com aquela baseada em conteúdos. Assim, o risco não é inerente ao
trabalho com competências, mas depende de como estas são desenvolvidas na
formação, e com que fins.
Apresentadas estas questões sobre a formação, tentarei
descrever as competências docentes que poderiam, a meu ver, orientar a formação
de professores para uma educação democrática. Creio que as competências
precisam contemplar cinco áreas, o que não significa uma amplitude excessiva,
pois como aqui é considerada, essa amplitude se inscreve no campo de identidade
da prática educativa, isto é, no binômio aprendizagem-desenvolvimento. As cinco
competências seriam:
Competência de conteúdos: domínio do saber geral e
curricular, e a capacidade de promover um processo de transposição didática.
Competência pedagógica: capacidade de mobilizar os
conhecimentos teóricos aprendidos das teorias pedagógicas para compreender e
resolver situações reais em sala de aula. Esses conhecimentos geralmente
aprendidos durante a formação, como as concepções sobre a aprendizagem e
desenvolvimento, ou as teorias sociológicas sobre a relação escola-sociedade,
são utilizados pelo educador indiretamente e, poucas vezes, diretamente nas situações
pedagógicas reais.
Competência metodológica: inclui tanto a habilidade de
ensinar e se comunicar com clareza (didaktiké) como a capacidade de perceber
como cada grupo de alunos aprende, e organizar as situações mais propícias a
estas aprendizagens; isto depende da capacidade de planejar, mas esta pode não
estar associada, em uma pessoa, à habilidade de ensinar: pode ocorrer uma
habilidade sem a outra, o que mostra a complexidade deste campo de competência.
Competência relacional e ética: capacidade de estimular
relações interpessoais construtivas, criando um clima socioemocional favorável
à aprendizagem, ao desenvolvimento e à expressão crítica; essas habilidades
exigem do educador uma estrutura emocional razoavelmente equilibrada e
dinâmica, a qual se revela na capacidade de lidar com os aspectos emocionais da
experiência pedagógica; esse aspecto da competência depende acentuadamente da
relação afetiva do educador com sua profissão, pois envolve diretamente a sua
dimensão subjetiva.
Competência crítica: ser capaz de colocar um discurso ou
idéia em questão, pensando e percebendo com radicalidade e superando atitudes
ingênuas ou superficiais diante do instituído; é essa capacidade de
desvelamento do aparente e do hegemônico que permite ao profissional desmontar
os discursos, idéias e relações sociais existentes, e demonstrar os valores e
interesses que permeiam esses elementos, que freqüentemente não se revelam de
imediato. Tal capacidade, contudo, não deve ser confundida com a simples adoção
de uma opção político-partidária ou um determinado referencial teórico, pois
esses não garantem, por si mesmos, o desenvolvimento da atitude crítica.
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